Volto a um tema que foi até o último que abordei neste blogue, a legitimidade sobre os vencedores do Campeonato de Portugal de serem considerados campeões nacionais. Faço-o porque, apesar de já ter sido deliberado pela Assembleia Geral da FPF que não deve haver alteração à contagem oficial, o Sporting CP continua a adulterar a contagem dos seus títulos nacionais. Isto sem que haja qualquer castigo ou sequer objecção oficial por parte da FPF a este ataque à sua história. Instituição esta que não se coíbe de aplicar castigos a clubes e dirigentes desportivos devido a comunicados oficiais ou declarações.
A pedido do Sporting CP já foi feito um estudo sobre este tema e o assunto já foi votado numa Assembleia Geral Extraordinária da FPF. A FPF pediu às Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa a nomeação de investigadores independentes para este estudo, tendo sido criada a Comissão Independente de Análise dos Títulos Nacionais (CIATN). A CIATN fez um estudo sério sobre o assunto, baseando-se em documentos oficiais mas também em outras publicações da época do Campeonato de Portugal. Chegaram a uma conclusão com a qual não concordo, mas que é obviamente legítima: até 1934/35, aquando da criação do Campeonato da Liga, os vencedores do Campeonato de Portugal são considerados campeões nacionais, a partir daí essa designação passa para os vencedores do Campeonato da Liga/Campeonato Nacional.
Se esta deliberação tivesse vingado quer o SL Benfica, quer o Sporting CP teriam mais 2 títulos, o FC Porto mais 3, o CF "os Belenenses" mais 3, o SC Olhanense 1, o SC Marítimo 1 e o Carcavelinhos FC 1. Não seriam mais 4 títulos para o Sporting CP, mantendo o SL Benfica os seus títulos sem alteração, como eles advogam. De qualquer forma, esta deliberação não foi tornada oficial, como já dito foi levada a votação na Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 29 de junho de 2022, junto com três outras propostas:
- juntar os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal, mantendo os títulos de campeão nacional para os vencedores do Campeonato da Liga e do Campeonato Nacional (aquela que me parece ter mais fundamento histórico);
- tornar todos os vencedores do Campeonato de Portugal como campeões nacionais e obliterar a existência do Campeonato da Liga, que efectivamente conferia esse título (proposta do Sporting CP, é a única proposta sem cabimento, porque se baseia em pressupostos falsos sobre o Campeonato da Liga e não históricos);
- manter tudo como estava antes, ou seja, os vencedores do Campeonato da Liga e do Campeonato Nacional são campeões nacionais e os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal são listados separadamente.
Esta última proposta foi a aprovada. Discordo dela porque tal como há documentação a comprovar que o Campeonato da Liga e o Campeonato Nacional são a mesma competição apenas como uma alteração de nome, também existe estabelecendo a mesma ligação entre o Campeonato de Portugal e a Taça de Portugal (essa documentação até é a mesma). Discordo também com a proposta da CIATN porque me parece que não vai de acordo com o espírito das competições, tendo esta comissão se baseado além das fontes oficiais em publicações jornalísticas, também já o fiz e nestas encontram-se argumentos para ambos os lados. Vou apenas basear-me na documentação oficial que encontrei na Biblioteca Nacional de Portugal.
Como contexto histórico convém referir que a criação de um campeonato nacional em formato de liga tornou-se completamente necessário ao olhar dos dirigentes do futebol nacional após uma derrota de 9-0 da selecção de Portugal contra a selecção de Espanha na qualificação para o Mundial de 1934. Decidiu-se então seguir o modelo da Espanha, com Campeonatos Regionais que apuravam para o Campeonato da Liga, havendo ainda a competição por eliminatórias, o Campeonato de Espanha (hoje conhecido como Copa del Rey) que também já existia desde antes do Campeonato da Liga. Em Espanha a cronologia dos campeões nacionais inicia-se também com o Campeonato da Liga e não com o Campeonato de Espanha, não havendo, no entanto, uma separação de cronologia na prova por eliminatórias como no caso português.
Estatutos e Regulamentos da FPF - 1937
Tendo também em vista a subida de divisão a partir da 2ª Liga/Divisão, que só se viria a concertizar na época de 1946/47 com nova reformulação dos quadros competitivos, desta vez mais profunda. Pois, como se sabe em 1938/39 as alterações foram sobretudo nas designações, a fórmula de disputa do Campeonato de Portugal continuou na Taça de Portugal e o mesmo se passou entre o Campeonato da Liga e o Campeonato de nacional.
Neste documento (aprovado no Congresso da FPF) os autores reconhecem que o Campeonato de Portugal "não tem verdadeiramente proporções de Campeonato Nacional, designando-o Taça de Portugal à semelhança das competições dos outros países com as mesmas características". Considerou-se que ambas as competições tinham nomes desadequados para aquilo que representavam. Este documento é da altura em que as competições existiam com os seus nomes antigos, não se trata de revisionismo posterior, como actualmente alguns querem fazer, querendo dar a entender que o Campeonato da Liga se tratava de uma competição experimental sem carácter oficial.
Regulamento do Campeonato de Portugal
Consultando o Regulamento do Campeonato de Portugal podemos observar que não existe referência à atribuição de um título nacional ao vencedor da prova, além de encontrarmos artigos que foram transpostos para a Taça de Portugal.
A competição tinha duas fases: o Torneio de Classificação (os campeonatos regionais) e a Competição de Honra (torneio nacional). Ao vencedor era atribuída um troféu designado de Taça Portugal.
Estatutos e Regulamentos FPF - 1938Os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal eram listados juntos como os "vencedores da prova" (portanto, a mesma competição).
Em meados dos anos 1960 a história ainda era documentada com a continuidade que as competições traziam desde o seu início.
Também aqui ainda se considera a nomenclatura do Campeonato da Liga incorrecta devido a uma influência britânica, facto que deu origem à alteração de nome.
Nesta publicação também se documenta a influência do modelo espanhol no que viria a suceder em Portugal.