quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A universalidade do voto Benfiquista

No próximo sábado realiza-se mais um acto eleitoral do Sport Lisboa e Benfica, não tenho dúvidas de que será o mais participado da história do clube. Pela primeira vez iremos ter 6 candidatos a eleições. Não creio que, como o actual presidente diz, seja porque o clube está apetecível, pelo contrário. Estamos em crise de resultados, a uns deslizes desportivos de passarmos por uma crise financeira e ainda não recuperámos da crise de valores criada no tempo do Outro Senhor. 

Este acto eleitoral foi marcado por uma inesperada polémica, a do voto electrónico, sobretudo devido a dois candidatos (Cristóvão Carvalho e Martim Mayer) mal preparados e desconhecedores do Sport Lisboa e Benfica e dos seus estatutos, mas também por causa das artimanhas do presidente da Mesa da Assembleia Geral (em conluio com a direcção e lista da qual faz parte). Este frequentemente insistiu no mesmo ponto (já rejeitado), lançou comunicações com uma orientação inversa ao que está escrito estatutariamente e não preparou a possibbilidade de voto por correspondência. 

Nesta senda de sucessivas discussões sobre o voto electrónico parece que poucos conseguem distinguir entre voto electrónico e voto online. O voto electrónico é o efectuado em locais de voto em máquinas instaladas para o efeito, o voto online é o efectuado através de internet com senhas enviadas para os sócios no estrangeiro e Regiões Autónomas portuguesas. Foram usados no SL Benfica o voto electrónico e voto online pela primeira em 2006, ano em que foi possível votar pela primeira vez fora de Lisboa, tendo sido possível votar em 5 locais espalhados pelo país. Até 2016 desenrolou-se assim em todos os actos eleitorais do Sport Lisboa e Benfica, variando apenas um ou outro local de voto. 

 Em 2020 e 2021 pode-se votar em 24 locais de voto em Portugal Continental, tendo o voto electrónico depósito em urna. O voto em urna foi pedido para que se pudesse verificar que os resultados do voto electrónico eram anunciados correctamente. Algo que só se aplicaria ao voto electrónico e não ao online. 

Convocatórias dos actos eleitorais do Sport Lisboa e Benfica disponíveis online: 


 A polémica da (não) contagem dos votos nas eleições de 2020 levou a que na revisão estatutária deste ano se regulasse que o voto electrónico apenas é utilizado quando todas as listas concordam com a sua utilização, tendo este que ter sempre depósito em urna e contagem dos votos. Não está contemplado o voto online, nem sequer o voto por correspondência (parecendo-me que este não seria problemático para os candidatos).

Desde o início duas listas rejeitaram o voto electrónico - a de João Noronha Lopes e a de João Leite (candidato à MAG). 

Os candidatos Cristóvão Carvalho e Martim Mayer têm insistido frequentemente no ponto do voto electrónico. Ainda esta semana Martim Mayer lançou este comunicado no seu site de campanha:


Onde se pode ler:

Impedir benfiquistas de exercer o seu direito, depois de décadas de participação ativa, é um erro grave e um sinal de afastamento da realidade do clube. O Benfica é universal, e universais devem ser os seus direitos.

Este ponto da universalidade do voto já tinha sido levantado na última Assembleia Geral por Martim Mayer.

Ora, desde a fundação até 2006 houve 19 actos eleitorais com mais que um candidato, nesses 19 actos eleitorais apenas se pôde votar em Lisboa (na sede na Rua do Jardim do Regedor ou no Estádio do Sport Lisboa e Benfica). Nos 4 actos eleitorais entre 2006 e 2016 (dois deles apenas com o Outro Senhor como candidato) os sócios de Portugal Continental apenas tiveram 5 locais onde pudessem votar. Em 2020 e 2021 os sócios de Portugal Continental apenas tiveram 24 locais onde pudessem votar. Nas eleições de 2025 existem 80 locais de voto em Portugal Continental, 3 nas Regiões Autónomas portuguesas e 25 no estrangeiro. Nas eleições de 2021 votaram cerca de 4500 sócios online, dos quais muitos continuarão a poder votar.

A maioria dos sócios do Sport Lisboa e Benfica vive em Portugal Continental e estes nunca puderam votar sentados no sofá. Até já tiveram que ir de todo o país a Lisboa para votar. Ainda hoje muitos têm de fazer alguns quilómetros para poder votar, todos têm de se deslocar. A universalidade do voto no Sport Lisboa e Benfica nunca esteve em causa, nem antes de 2006 e muito menos agora que vai ser o acto eleitoral mais disponível para a maioria dos sócios.

Gostaria que o candidato Martim Mayer me dissesse se as eleições para os órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica em 1969 foram ou não universais, pois só se pôde votar em Lisboa.

No sábado, faça chuva ou faça sol, lá estarão milhares de Benfiquistas a exercer o seu direito de voto, em números como nunca se viram. Vamos derrubar a Primavera Costista nas urnas!

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Campeonato de Portugal vs Campeonato da Liga

Volto a um tema que foi até o último que abordei neste blogue, a legitimidade sobre os vencedores do Campeonato de Portugal de serem considerados campeões nacionais. Faço-o porque, apesar de já ter sido deliberado pela Assembleia Geral da FPF que não deve haver alteração à contagem oficial, o Sporting CP continua a adulterar a contagem dos seus títulos nacionais. Isto sem que haja qualquer castigo ou sequer objecção oficial por parte da FPF a este ataque à sua história. Instituição esta que não se coíbe de aplicar castigos a clubes e dirigentes desportivos devido a comunicados oficiais ou declarações.

A pedido do Sporting CP já foi feito um estudo sobre este tema e o assunto já foi votado numa Assembleia Geral Extraordinária da FPF. A FPF pediu às Universidades do Porto, Coimbra e Lisboa a nomeação de investigadores independentes para este estudo, tendo sido criada a Comissão Independente de Análise dos Títulos Nacionais (CIATN). A CIATN fez um estudo sério sobre o assunto, baseando-se em documentos oficiais mas também em outras publicações da época do Campeonato de Portugal. Chegaram a uma conclusão com a qual não concordo, mas que é obviamente legítima: até 1934/35, aquando da criação do Campeonato da Liga, os vencedores do Campeonato de Portugal são considerados campeões nacionais, a partir daí essa designação passa para os vencedores do Campeonato da Liga/Campeonato Nacional.

Relatório da CIATN

Se esta deliberação tivesse vingado quer o SL Benfica, quer o Sporting CP teriam mais 2 títulos, o FC Porto mais 3, o CF "os Belenenses" mais 3, o SC Olhanense 1, o SC Marítimo 1 e o Carcavelinhos FC 1. Não seriam mais 4 títulos para o Sporting CP, mantendo o SL Benfica os seus títulos sem alteração, como eles advogam. De qualquer forma, esta deliberação não foi tornada oficial, como já dito foi levada a votação na Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 29 de junho de 2022, junto com três outras propostas:

- juntar os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal, mantendo os títulos de campeão nacional para os vencedores do Campeonato da Liga e do Campeonato Nacional (aquela que me parece ter mais fundamento histórico);

- tornar todos os vencedores do Campeonato de Portugal como campeões nacionais e obliterar a existência do Campeonato da Liga, que efectivamente conferia esse título (proposta do Sporting CP, é a única proposta sem cabimento, porque se baseia em pressupostos falsos sobre o Campeonato da Liga e não históricos);

- manter tudo como estava antes, ou seja, os vencedores do Campeonato da Liga e do Campeonato Nacional são campeões nacionais e os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal são listados separadamente.


Esta última proposta foi a aprovada. Discordo dela porque tal como há documentação a comprovar que o Campeonato da Liga e o Campeonato Nacional são a mesma competição apenas como uma alteração de nome, também existe estabelecendo a mesma ligação entre o Campeonato de Portugal e a Taça de Portugal (essa documentação até é a mesma). Discordo também com a proposta da CIATN porque me parece que não vai de acordo com o espírito das competições, tendo esta comissão se baseado além das fontes oficiais em publicações jornalísticas, também já o fiz e nestas encontram-se argumentos para ambos os lados. Vou apenas basear-me na documentação oficial que encontrei na Biblioteca Nacional de Portugal.

Como contexto histórico convém referir que a criação de um campeonato nacional em formato de liga tornou-se completamente necessário ao olhar dos dirigentes do futebol nacional após uma derrota de 9-0 da selecção de Portugal contra a selecção de Espanha na qualificação para o Mundial de 1934. Decidiu-se então seguir o modelo da Espanha, com Campeonatos Regionais que apuravam para o Campeonato da Liga, havendo ainda a competição por eliminatórias, o Campeonato de Espanha (hoje conhecido como Copa del Rey) que também já existia desde antes do Campeonato da Liga. Em Espanha a cronologia dos campeões nacionais inicia-se também com o Campeonato da Liga e não com o Campeonato de Espanha, não havendo, no entanto, uma separação de cronologia na prova por eliminatórias como no caso português.


Estatutos e Regulamentos da FPF - 1937


Este documento é claro quanto ao espírito das competições. Num capítulo introdutório os autores explicam os pontos considerados no projecto, entre eles conta-se aportuguesar os termos da instituição, entre os quais o nome do Campeonato da Liga, visto não existir Liga de Clubes e na realidade o Campeonato da Liga ser um campeonato nacional.

Tendo também em vista a subida de divisão a partir da 2ª Liga/Divisão, que só se viria a concertizar na época de 1946/47 com nova reformulação dos quadros competitivos, desta vez mais profunda. Pois, como se sabe em 1938/39 as alterações foram sobretudo nas designações, a fórmula de disputa do Campeonato de Portugal continuou na Taça de Portugal e o mesmo se passou entre o Campeonato da Liga e o Campeonato de nacional.

Neste documento (aprovado no Congresso da FPF) os autores reconhecem que o Campeonato de Portugal "não tem verdadeiramente proporções de Campeonato Nacional, designando-o Taça de Portugal à semelhança das competições dos outros países com as mesmas características". Considerou-se que ambas as competições tinham nomes desadequados para aquilo que representavam. Este documento é da altura em que as competições existiam com os seus nomes antigos, não se trata de revisionismo posterior, como actualmente alguns querem fazer, querendo dar a entender que o Campeonato da Liga se tratava de uma competição experimental sem carácter oficial.


Regulamento do Campeonato de Portugal

Consultando o Regulamento do Campeonato de Portugal podemos observar que não existe referência à atribuição de um título nacional ao vencedor da prova, além de encontrarmos artigos que foram transpostos para a Taça de Portugal.


A competição tinha duas fases: o Torneio de Classificação (os campeonatos regionais) e a Competição de Honra (torneio nacional). Ao vencedor era atribuída um troféu designado de Taça Portugal.



Estatutos e Regulamentos FPF - 1938


Este documento é a consequência do preparado em 1937 e levado a aprovação do Congresso da FPF. 


Aqui, ao contrário do que sucedia no Regulamento do Campeonato de Portugal, está definido que o vencedor do Campeonato Nacional é o campeão nacional. 


O capitulo sobre o troféu da Taça, com pequenos ajustes, é semelhante ao que sucedia no Campeonato de Portugal, visto as competições e a própria taça serem as mesmas.
 
Programa Oficial dos Jogos da FPF 1967/68


Ao longo da história os registos oficiais sempre registaram o Campeonato da Liga junto com o Campeonato Nacional. Em 1967/68, a FPF lançou o programa oficial dos jogos dos campeonatos nacionais, nele constavam classificações, entrevistas, curiosidades, plantéis e também um pouco de história.




Vinte Anos de Football em Torneios da Federação 1922-1941


Esta publicação documenta a história dos torneios oficiais da FPF poucos anos depois da mudança de nome das competições. 



Após a criação do Campeonato da Liga em 1934/35 a fórmula de qualificação para o Campeonato de Portugal foi alterada. Enquanto que até aí eram os Campeonatos Regionais que apuravam as equipas para o Campeonato de Portugal, a partir desse momento os Campeonatos Regionais qualificavam as equipas para os Campeonatos das Ligas e estes para o Campeonato de Portugal. Às equipas da Primeira Liga juntavam-se os melhores da Segunda Liga e o campeão das ilhas. Este formato manteve-se até 1946/47.


Os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal eram listados juntos como os "vencedores da prova" (portanto, a mesma competição).


Os 50 Anos da FPF


Em meados dos anos 1960 a história ainda era documentada com a continuidade que as competições traziam desde o seu início. 



Também aqui ainda se considera a nomenclatura do Campeonato da Liga incorrecta devido a uma influência britânica, facto que deu origem à alteração de nome.


Já nesta altura é referido que há quem devido "ao sabor da paixão e dos interesses momentâneos das massas clubistas" haja quem queira distinguir o Campeonato da Liga do Campeonato Nacional. Confusão essa que sabemos hoje acabou por vingar num certo meio, ignorando a documentação histórica.


Nesta publicação também se documenta a influência do modelo espanhol no que viria a suceder em Portugal.


Considerações finais

A FPF tem documentos que contam bem a história das suas competições, no entanto, a partir de um certo momento nos meios jornalísticos e clubísticos passou a haver uma separação entre Campeonato de Portugal e Taça de Portugal, em alguns meios isso também sucedeu com o Campeonato da Liga e o Campeonato Nacional. Outros ainda tentaram passar a ideia que o Campeonato da Liga era uma prova experimental, atribuindo-lhe mesmo esse nome, referindo-o até como prova não oficial. Todos os documentos oficiais que encontrei da altura e os livros que contam a história das competições da FPF comprovam o contrário.

Houve tanta pressão para se alterar a história que a FPF pediu um parecer de uma comissão independente para redefinir a verdade histórica. Essa comissão analisou os documentos oficiais, analisou a comunicação da altura e propôs uma alteração, para que alguns vencedores do Campeonato de Portugal também fossem considerados campeões nacionais. Compreende-se que seja tentador considerar a única competição existente como o campeonato nacional. É um argumento fácil de defender.

É sabido que este assunto se tornou premente quando o SL Benfica dobrou os títulos de campeão nacional do Sporting CP. No entanto, o defendido pelo Sporting CP é o mais descabido entre as possibilidades apresentadas para a contabilidade de títulos de campeão nacional. A CIATN propõe mais 2 títulos para ambos os clubes. No entanto, devemos analisar as competições também com a proximidade que têm os casos similares e que estão na origem do caso português. O espanhol de onde copiámos o modelo e onde não se misturam títulos de Taça com títulos de Liga, sendo também a Taça mais antiga. E também o inglês, de onde copiámos erradamente o nome do Campeonato da Liga, em todos os países britânicos a Taça é anterior à Liga e não há mistura de títulos. Existem outros casos na Europa onde a história é diferente, mas nem esses casos nos são tão próximos nem têm o nosso percurso histórico.

A FPF perdeu com a Assembleia Geral Extraordinária uma oportunidade de corrigir a separação entre Taça de Portugal e Campeonato de Portugal. No entanto, deliberou que os campeões nacionais são aquilo que sempre foram. Não percebo porque permitem a um clube adulterar a história da FPF e do futebol nacional.