O jogo que opôs a equipa da casa aos campeões nacionais em título pautou-se por uma regularidade exibicional pouco típica dos confrontos entre formações habitualmente separadas por um fosso pontual na tabela classificativa. O Beira-mar apostou numa maior concentração defensiva, mas sem abdicar de procurar ser feliz, nomeadamente através de lançamentos em profundidade para as costas da defensiva encarnada, buscando a pujança física e rapidez dos seus atacantes.
O Benfica, atravessando um momento menos bom da época, soube contrariar o factor casa e assumir as despesas do jogo, canalizando o seu fluxo ofensivo em iniciativas maioritariamente de cariz colectivo, procurando assim transmitir maior confiança às suas unidades. Efectivamente, beneficiou também do apoio constante dos milhares de adeptos que se deslocaram ao Estádio Municipal de Aveiro, fazendo fé na sua crença de ultrapassar as dificuldades do actual cenário encarnado — nomeadamente tendo em conta a época de grande regularidade do adversário, que esta época ainda não tinha sido batido no seu reduto.
A partida iniciou-se com algumas cautelas de parte a parte, fruto de uma natural retração da equipa da casa e também das difíceis condições colocadas aos atletas pelo frio que se fazia sentir ao nível do solo. Mas cedo se adivinhou o figurino da partida, com o Benfica a apostar na pressão alta e assim impedir as unidades adversárias de partir isoladas para o meio-campo encarnado. Sem Aimar, por lesão, coube a Javi Garcia e Carlos Martins funcionarem como pêndulo da equipa, soltando eficazmente a bola para os sectores avançados. Aí, Maxi Pereira revelou um entendimento crescente com Ruben Amorim, partindo para o ataque em triangulação e revezando-se nas tentativas de um para um.
No entanto, o Beira-mar revelou um grande discernimento defensivo, rechaçando as iniciativas individuais e colectivas encarnadas e tentando partir para o contra-ataque, sem cair na tentação de soltar logo a bola, mas pensando em construir apoio para os homens lá à frente. Só que a concentração defensiva dos elementos encarnados mais recuados permitiu-hes cair em cima das jogadas antes que estas ganhassem maior abrangência em termos de aberturas para as alas, canalizando assim as iniciativas aveirenses para o corredor central, onde um imperial Luisão se mostrou a um bom nível, ajudado pelo sempre disponível David Luiz.
Assim, o jogo parecia encaminhar-se para o intervalo com um empate natural a zero bolas no marcador, apesar do maior pendor ofensivo do Benfica, expresso na sua dominação em termos territoriais e de percentagem domínio de bola. Mas uma infantilidade do nigeriano Kanu (pelo menos o outro era nigeriano), que puxou pela camisola de Oscar Cardozo na zona de rigor aquando da marcação de um pontapé de canto, iria contrariar os esforços da equipa da casa. O controverso árbitro Bruno Paixão não claudicou na hora de assinalar o castigo máximo, permitindo ao melhor marcador da época transacta encarar o guarda-redes na marcação da grande penalidade.
Regressado de uma arreliadora lesão, o Tacuara teve assim a oportunidade de aumentar o seu pecúlio pessoal, retomando a busca da revalidação do seu título individual: efectivamente, logrou transformar esta oportunidade soberana com um remate lento após a estirada do guarda-redes na direcção contrária. As equipas recolheram ao balneário de seguida, com a marcha do marcador a conferir alguma justiça ao desenrolar do jogo jogado, mesmo se não traduzido em ocasiões claras de alvejar nenhuma das balizas.
Naturalmente galvanizado, o Benfica partiu para os segundos quarenta e cinco minutos com o pé no acelerador, tentando garantir assim os três pontos e aproveitar o empate entre os eternos rivais Sporting e Porto. No Beira-mar, por seu lado, podia-se especular sobre alguma confusão na hora de partir com a bola controlada, derivado a uma dúvida sobre a melhor opção técnico-táctica a tomar: tentar salvaguardar a sua zona recuada e apostar em contra-ataques solitários, ou jogar o jogo pelo jogo, buscando o tento que permitiria o empate.
O maior pendor ofensivo do Benfica manifestou-se logo no dealbar da segunda parte: sempre pela direita, Ruben Amorim serviu Oscar Cardozo de forma irrepreensível, apenas para o internacional paraguaio falhar o contacto com a bola de uma forma displicente, para desespero do colega. Em resposta, quaisquer questões sobre a postura da equipa da casa foram desfeitas quando Ronny teve uma chance soberana para igualar a partida: felizmente, optou ao invés por um cabeceamento fraco quando estava isolado perante Roberto, que agradeceu ao colega de profissão tê-lo poupado a maiores calafrios.
O jogo prosseguiu animado, até que aos 14 minutos da etapa suplementar Cardozo, sedento de regressar à senda dos golos, deu expressão ao maior poderio atacante dos encarnados: desferiu um excelente remate colocado à entrada da área, após recuperação de bola de um Nico Gaitan mais esforçado nas tarefas defensivas que habitualmente. O ponta de lança dava assim uma machadada na tentativa de reação da equipa da casa, decidindo o destino do jogo numa altura em que se poderiam começar a adivinhar algumas dificuldades na transição ofensiva da equipa lisboeta.
Nomeadamente, até este segundo golo sentia-se nos adeptos benfiquistas nas bancadas alguma apreensão derivado a uma possível contrariedade em termos de resultado (e consequente não-aproveitamento para reduzir a desvantagem pontual em relação ao Futebol Clube do Porto): o Beira-mar poderia virar o jogo em seu favor nalgum lance fortuito, derivado ao seu crescente fulgor atacante e à indecisão sobre o posicionamento de Fábio Coentrão e sua compensação efectuada por David Luiz, ainda lembrado do jogo contra o actual líder da tabela.
Mas o momento de inspiração do paraguaio revelou-se providencial para acalmar a equipa, permitindo-lhe assentar jogo durante o resto do desafio e servindo como um verdadeiro banho de água fria para os jogadores adversários. De resto, Nico Gaitan revelou-se como uma unidade capaz de alicerçar as subidas repentistas de Coentrão, conferindo coesão no corredor esquerdo e aliviando David Luiz desta tarefa — para a qual o internacional canarinho não se sente particularmente vocacionado.
Assim, foi sem surpresa que, decorridos apenas sete minutos, o argentino Saviola culminava com um oportuno terceiro golo após solicitação de Oscar Cardozo. De destacar o grande trabalho do goleador da selecção sul-americana, com uma espectacular iniciativa individual dentro da grande área, plena de entendimento com o pequeno atacante alvi-celeste. Efectivamente, Cardozo surpreendeu o veterano Hugo ao rodar com a bola colada ao pé esquerdo, o seu preferido, rasgando pelo central aveirense e permitindo-lhe servir com facilidade o colega.
Com o jogo decidido, o Benfica optou por baixar o ritmo atacante, lançando no terreno unidades menos rodadas e apostando na circulação de bola, perante um Beira-mar já algo desmoralizado pelo resultado excessivo. Mais uma vez, esta ausência de intencionalidade encarnada em termos de área contrária permitiu à equipa do Beira-mar obter um golo tardio: embora fruto de uma fragilidade defensiva estranha num sector com grande disciplina táctica na época passada, este tento aligeirava a derrota sofrida pela equipa anfitriã, cujos números não espelhavam a exibição relativamente equilibrada de ambas as equipas.
De destacar a capacidade de timing e esclarecimento do central Hugo, que mostrou aos colegas mais inexperientes como é possível apresentar elevados índices de eficácia já com 34 anos: embora a sua disponibilidade física não seja comparável a quando militava na equipa principal da Sampdória, um posicionamento correcto e boa leitura das movimentações contrárias recordou os tempos na formação cisalpina: só foi batido aquando do segundo golo, em que a finta inesperada do Tacuara não lhe permitiu encontrar os rins para cortar a linha de passe para Saviola.
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Melhor jogador:
Cardozo (5): Grande regresso, com um penálti pleno de cinismo, um golo de levantar o estádio e uma assistência após grande iniciativa pessoal. Alan Kardec deve estar preocupado pelo fulgurante regresso do colega à posição que tão bem conhece.
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Notas:
Roberto (4): Boa exibição, seguro a sair dos postes e a coordenar o posicionamento dos colegas, rápido a soltar para o ataque.
Luisão (4): Intransponível na defesa, ameaçador nas bolas altas atacantes, serviu para arrastar sempre jogadores adversários na marcação de livres e pontapés de canto.
Fábio Coentrão (4): Afoitou-se no ataque sempre que pode, sem descurar a defesa. Disponível e sempre ao seu estilo, deu-se bem com Nico Gaitan e teve pormenores de entendimento com partida rápida para a área contrária, para desespero dos defesas adversários. Amarelo injusto.
David Luiz (4): Seguro e menos rendilhado que normalmente, apostou na jogada fácil sem descurar a qualidade de passe e a saída com a bola controlada para o ataque.
Ruben Amorim (5): Grande exibição do polivalente internacional luso, agarrando a posição e combinando com Maxi Pereira para permitir situações de superioridade numérica no corredor direito e solidez defensiva perante os extremos do Beira-mar.
Javi Garcia (5): Sempre eficaz na recuperação de bolas, a ausência de Aimar obrigou-o a correr mais para entregar a bola jogável, objectivo que cumpriu sempre que solicitado.
Carlos Martins (4): Menos fulgurante que normalmente, apostou mesmo assim nas penetrações pelo corredor central, quer através de passes de morte, quer partindo com a bola colada ao pé.
Nico Gaitan (4): Foi menos notado no ataque, mas apenas porque se preocupou em fechar o corredor canhoto, permitindo a Fabio Coentrão aventurar-se em velocidade. Sólido e pouco egoísta, demonstrou motivos de preocupação para o colega César Peixoto.
Maxi Pereira (4): Rápido e sem complicar, parece estar cada vez mais de regresso à forma que evidenciou no ano passado e durante o Campeonato do Mundo. Com ele, o Benfica arrisca-se sempre a construir lances de desiquilíbrio pela ala direita.
Saviola (4): Mais móvel e repentista que nos últimos jogos, preferiu jogar para a equipa e espreitar as oportunidades construidas pelos colegas. Marcou um golo graças à sua boa leitura de jogo, mostrando um crescente entendimento com "Tacuara" Cardozo e dando aos sócios e adeptos do Glorioso sintomas em termos de uma renovação desta dupla concretizadora.
Kardec (3): Entrou para permitir a Cardozo recuperar do esforço físico, disputando os lances com a sua habitual entrega física e tentando construir entendimentos com os colegas.
Salvio (3): Ingressou no terreno de jogo para ganhar minutos e adquirir maior entrosamento com a equipa. Não falhou.
Jara (3): Substituiu Saviola e tentou imprimir a mesma dinâmica que o colega, embora a equipa já estivesse em regime de contenção de esforços.
Moreira (2): Boa postura no banco, sempre atento e a apoiar a equipa.
César Peixoto (2): Incansável no visionamento do jogo, como é seu estilo.
Sidnei (2): Muito forte na luta contra o frio, nunca deu tréguas ao fecho do kispo que revelava falta de esclarecimento na hora da concretização.
Nuno Gomes (2): Um verdadeiro símbolo no banco do Benfica, a sua mobilidade e instinto de posicionamento permitiu-lhe trocar de cadeira ao intervalo.
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Árbitro
Bruno Paixão (1): Infeliz no posicionamento e tardio a assinalar um livre indirecto, apenas o notável desportivismo dos atletas e colegas de profissão o impediu de escrever mais um capítulo negro na história do desporto nacional.