Devo dizer que este tema já está muito bem documentado pelo Alberto Miguéns no seu blogue Em Defesa do Benfica. Muitas pessoas não o lêem porque é escrito por um Benfiquista que escreve sobretudo sobre o Sport Lisboa e Benfica, no entanto, ficam a perder, porque lá se escreve muito (e bem) sobre a história do futebol (além de outros desportos). Deixo com antecedência estas ligações desse espaço onde podem ler sobre este assunto:
https://em-defesa-do-benfica.
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Inicio os meus comentários contrapondo com algumas opiniões que fui lendo, durante alguns anos, sobre esta temática.
“O Campeonato da Liga era uma prova experimental”
(https://www.zerozero.pt/
Isto só será verdade na medida em que nunca tinha sido disputada uma prova do género a nível nacional. Nunca, ao contrário do que muitos tentam actualmente fazer crer, a competição se chamou Liga Experimental. O nome oficial da competição era Campeonato da I Liga e é assim (ou Campeonato das Ligas) que se encontra a sua designação quer nos jornais da época quer nos documentos da FPF.
(Diário de Lisboa, 20-01-1935)
Logo na primeira jornada da primeira edição a competição é referida no Diário de Lisboa como Campeonato das Ligas (e assim será até 1938). Se alguma vez houve uma jornada experimental teria de ser esta. Mas essa designação (como o intuito de diminuir o valor da competição) foi-lhe atribuída posteriormente – creio até que recentemente.
(Diário de Lisboa, 08-05-1938)
“O Campeonato da Liga era uma prova de final de época” / ”Servia para ocupar as datas em que não era jogado o Campeonato de Portugal”
Esta não poderia estar mais longe da verdade, estando até invertida quanto à calendarização das competições. O Campeonato da Liga era disputado após o final dos Campeonatos Regionais, que tinham de ser disputados na primeira metade da época até ao final de Dezembro. Entre Janeiro e Maio jogava-se o Campeonato da Liga. E a época terminava com o Campeonato de Portugal disputado entre Junho e Julho.
Nunca poderia servir para ocupar as datas livres entre o Campeonato de Portugal porque até era uma prova mais longa, o Campeonato de Portugal começava a disputar-se nos oitavos de final a duas mão e terminava numa final a um jogo, com o máximo de 7 jogos para os finalistas, contra os 14 disputados no Campeonato da Liga.
“O Campeonato da Liga não era uma prova da FPF/oficial”
(https://www.zerozero.pt/
O Campeonato da Liga era uma prova organizada pela FPF, que a continuou mais tarde com a designação de Campeonato Nacional. Como se pode observar no relatório e contas da FPF para a época 1938/39:
“O Campeonato da Liga apenas recentemente é contado como campeonato nacional”
Já ouvi esta várias vezes, sobretudo baseada na listagem que o Record fez em 1993/94 atribuindo apenas 27 títulos nacionais ao Sport Lisboa e Benfica. Dizem que apenas quando o Sport Lisboa e Benfica venceu o seu 31º título nacional em 2004/05 a contagem passou a contar os Campeonatos da Liga (a que começaram a chamar experimentais). Ora, as outras publicações sobre o título de 1993/94 referem já os 30, contando os Campeonatos da Liga, como vinha sendo feito, o Record decidiu que os Campeonatos da Liga não contavam. Tenho uma revista do Correio da Manhã a propósito da pré-época da edição seguinte que contabiliza em 1994 30 títulos para o Sport Lisboa e Benfica. O Sport Lisboa e Benfica sempre contabilizou os Campeonatos da Liga, não acrescentou 3 títulos décadas depois.
“O Campeonato da Liga não era verdadeiramente nacional”
Esta é verdade. O Campeonato da Liga não abrangia equipas de todo o país, apenas 4 Associações Regionais apuravam equipas para o Campeonato da I Liga. Foi assim até à época 1945/46 aquando da reformulação das provas nacionais, estando na altura a I Divisão já aberta a clubes de mais Associações Regionais. Como o Campeonato Nacional seguiu a estrutura do Campeonato da Liga, durante mais 8 edições da prova, após a alteração de nome, apenas algumas Associações Regionais podiam inscrever clubes na I Divisão, estando a II Divisão aberta a mais algumas. Só na época de 1945/46 foi introduzido o sistema de subidas e descidas de divisão em vez de apuramento para o Campeonato da I Divisão via Campeonatos Regionais. Na mesma altura foi alterado o formato da Taça de Portugal, até então, seguindo também a fórmula do Campeonato de Portugal os apurados para esta competição eram os participantes na I Divisão/I Liga e os primeiros classificados da II Divisão/II Liga. Se o Campeonato da Liga não era totalmente nacional o Campeonato de Portugal também não o podia ser, uma vez que os apurados para o disputar eram definidos nos Campeonatos das Ligas (desde a criação destes).
De referir também que o primeiro Campeonato de Portugal, disputado em 1921/22, teve apenas como participantes os vencedores dos Campeonatos de Lisboa e do Porto, Sporting CP e FC Porto, respectivamente. O campeão foi decidido em 3 jogos entre estas equipas e poderia ter sido apenas 1 como estava inicialmente regulamentado. Note-se que nessa época se disputaram também campeonatos regionais nos distritos de Faro e Évora.
As competições
Está bem documentado que Campeonato Nacional foi a nova designação do Campeonato da Liga e que Taça de Portugal foi a nova designação do Campeonato de Portugal. Está em jornais da altura, está em documentos oficiais da FPF e até é atestado pelos troféus atribuídos aos vencedores das competições. A taça do Campeonato da Liga é igual à taça do Campeonato Nacional, a taça do Campeonato de Portugal é igual à taça da Taça de Portugal, até a Taça que fica sempre com a FPF é a mesma desde 1922 e tem uma placa para cada um dos vencedores desde o Campeonato de Portugal.
(https://sol.sapo.pt/artigo/
A alteração de denominação de Campeonato da Liga para Campeonato Nacional é semelhante ao que aconteceu em 1999/2000 com a alteração de nome para Primeira Liga. Contudo, não se separam em listas diferentes os vencedores do Campeonato Nacional e os vencedores da Primeira Liga.
(Diário de Lisboa, 08-01-1939, página 4)
(Diário de Lisboa, 15-01-1939, página 4)
Muita da documentação é retirada do Diário de Lisboa porque tem todas as edições disponíveis online. Quem estiver interessado e for ler, mesmo na altura dos Campeonatos da Liga referiam o Campeonato de Portugal como a competição máxima, contudo, continuaram a fazê-lo após as alterações de nomes. Ainda hoje a Taça de Portugal é referida como a prova rainha. Neste excerto até referem o vencedor da Taça de Portugal como o “campeão novo”:
(Diário de Lisboa, 25-06-1939)
A final da Taça de Portugal, antes Campeonato de Portugal, sempre foi a festa do futebol. Durante os tempos do Campeonato da Liga ambas as Taças eram entregues após a final o Campeonato de Portugal (ambos oficiais, portanto):
(Diário de Lisboa, 26-06-1938)
O vencedor do Campeonato da Liga sempre foi um legítimo campeão, como só podia para o vencedor da prova mais difícil – aquela que premeia a regularidade.
(Diário de Lisboa, 08-05-1938)
Parece fazer confusão a muita gente ter existido uma competição nacional e não haver um campeão nacional. Aconteceu em muitos países, por exemplo: em Inglaterra, na Escócia, em Espanha. Acerca da Inglaterra ou da Escócia nunca ouvi dizer que alguém pretendesse atribuir títulos de campeão nacional aos vencedores da principal competição por eliminatórias antes da criação das ligas nacionais. Hoje, na Europa, está assente que o campeão é o vencedor da liga nacional. No Liechtenstein, único país da UEFA sem liga nacional, existe uma Taça nacional que não atribui título de campeão. O problema em Portugal foi o nome que se deu à competição por eliminatórias em 1922, isso gera confusão 100 anos depois. A nomeação de competições no futebol português é tão astuta que actualmente a quarta divisão nacional é denominada de Campeonato de Portugal
O caso de Espanha
Em Espanha a história das competições tendo em conta a sua estrutura é semelhante ao caso português, havendo como diferença principal a criação do sistema de subidas e descidas desde o início da Liga espanhola. A primeira competição nacional foi criada em 1903 com o nome de Campeonato de Espanha, é hoje considerada a primeira edição da Taça de Espanha. Chegou a ser também disputado apenas por 2 equipas. Houve até uma edição com uma liguilha final entre 3 equipas (em Portugal não, cá foi sempre por eliminatórias). Foi uma competição disputada por equipas apuradas através de Campeonatos Regionais, inicialmente apenas os campeões (como em Portugal). Em 1926-27 em Espanha algumas regiões passaram a apurar mais que uma equipa para o Campeonato de Espanha, o mesmo aconteceu em Portugal na época seguinte. Em 1931, já com a existência da Liga nacional, o Campeonato de Espanha mudou de nome para Taça do Presidente da República ou Taça de Espanha. Em Portugal como sabemos aconteceu o mesmo em 1938-39. Actualmente, a Taça de Espanha tem a designação oficial de Campeonato de España-Copa de Su Majestad el Rey, ainda tem a designação de Campeonato de Espanha. Apesar disso, o campeão espanhol é, e sempre foi, unanimemente reconhecido como sendo o vencedor da Liga.
Considerações finais
Tenho lido na comunicação social que a FPF pediu um parecer sobre a legitimidade de cada competição para atribuir títulos nacionais, mas a FPF já o fez sem ajudas externas em 1938.
Como se percebe, eu considero legítimo que apenas os campeões das provas em formato de Liga atribuam o título de campeão nacional. São essas competições que na Europa designam os campeões nacionais. Mesmo que já existissem outras competições antes. Competições a eliminar são Taças.
Um dos pareceres que vai ser discutido na FPF vai de encontro à minha opinião, e visa juntar na mesma listagem os vencedores do Campeonato de Portugal e da Taça de Portugal (como foi e como deveria ter continuado a ser). Outro traz um sistema misto, em que os campeões da Liga continuam como campeões nacionais, mas acrescentam-se a estes todos os que ganharam a prova a eliminar antes de existir liga nacional - isto é criar a história dos anos 1920 e 1930 em 2022. Não é tão mau como o proposto em que todos os vencedores do Campeonato de Portugal passariam a campeões nacionais e os vencedores do Campeonato da Liga passariam a vencedores de uma prova experimental que não foi. É, no entanto, pouco justo atribuir títulos de campeão a vencedores de provas a eliminar - com campeões a disputar apenas 2 jogos (1923, 1926), 3 jogos (1922, 1925) e 4 jogos (1924, 1929) - nivelando-os a vencedores de ligas nacionais.
Se a proposta com a qual não concordo (e pelo que tenho lido, a maioria dos Benfiquistas não concorda) for avante o Sport Lisboa e Benfica deveria deixar de listar os campeonatos nacionais vencidos mas o número de ligas vencidas e o número de Campeonatos/Taças de Portugal vencidos. Aí até hoje serão sempre 37 ligas e 29 taças.