segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ser Benfiquista: Nando

Ao contrário do veiculado na imprensa por alguns dos meus colegas de profissão em termos de Farmácia Franco, eu nasci do Benfica. O meu pai orientou os trabalhos no estágio de pré-temporada, nomeadamente ao tocar o hino do Glorioso em cassete junto à barriga da minha mãe, ou a obrigá-la a beber minis e comer sande de coirato nas roullotes da antiga Catedral até às trinta semanas de gravidez.

Foi num domingo de Maio de 1976 que basculei do útero para as mãos da parteira: uma jogada de entendimento entre o meu pai e padrinho (que tinha carro e não podia beber) garantiu que após um compasso de espera estava inscrito no SLB com o número de sócio 43937. Quando levei a palmada da praxe, em vez de chorar rebolei nas mãos da profissional de apoio ao nascimento com uma cara de dor, piscando o olho à minha mãe enquanto ganhava tempo para que ela pudesse reposicionar-se em termos de fechar as pernas.

Assim, foi numa tarde ideal para a prática do desporto-rei que a massa adepta do clube encarnado passou a contar com mais um elemento nas suas fileiras — resultado das penetrações paternas pelo corredor central da minha mãe e consequente engrossar do fluxo atacante na zona de rigor. O nome já tinha sido prognosticado pelo meu pai, em homenagem ao pequeno avançado então promovido à equipa sénior do clube de Luz, nomeadamente o Fernando Chalana.

Daí em diante, a minha vida apresentou elevados índices de benfiquismo, e as conquistas e faltas do SLB avançaram em bloco com as minhas:

- Quando o Jordão se transferiu do Benfica para o Sporting, depois de um ano no Saragoça, em 1977, ainda eu era um elemento das camadas sub-3 na Creche "Menino Rabinos", aos Sapadores. As escolhas técnico-táticas, nomeadamente um time-sharing que correu mal com o meu tio na França, levou a minha família a uma excursão pascal à Palestina. Foi assim que apanhei uma infecção de salmonelas no rio Jordão, ao mesmo tempo que o ponta de lança luso-africano assinava contrato com o João Rocha.

- Em 1983, o Glorioso perdeu (injustamente, claro) a Taça UEFA contra o Anderlecht. Dois dias antes, o meu tio falhava uma jogada de triangulação com um andaime em Bruxelas (onde pagavam melhor que na França), terminando o encontro com um saldo claramente negativo: Andaime: 4 costelas, Tio: 0. Não teve direito a segunda mão, mas na queda partiu as duas.

- Mesmo nas pequenas coisas se revelou o meu benfiquismo: dois anos depois, o Estádio da Luz fechava o terceiro anel enquanto eu ajudava o meu pai a fechar a marquise da nossa nova casa em Mem Martins.

Também só visionei o Dartacão porque equipava à Benfica, e anos mais tarde recusei-me a comparecer na sala de estar durante a emissão televisiva das tartarugas ninja, que viviam no esgoto de Alvalade e eram orientadas por um rato que parecia o Marinho Peres (mas sem o mau aspecto).

Infelizmente, também não torcia pelo Shredder, que conclui ser sócio ou simpatizante do Futebol Clube do Porto: era mais velho, acompanhado de capangas com pouca inteligência de jogo e utilizador de métodos que não têm lugar no desporto-rei.

- Em 1993, tinha 17 aninhos quando Paulo Sousa e Pacheco abandonaram o Glorioso, aliciados por Sousa Cintra. Para dar a volta ao resultado em termos de tristeza, aliciei a minha colega (do curso profissional de metalo-mecânica) Paula para irmos para a serra de Sintra, mas a penetração não se concretizou porque ela cheirava a peixe seco.

Dado o adiantado da hora, e em jeito de resumo, avanço que a minha vida revela muito o meu posicionamento em linha com o SLB, e vice-versa. Mas o pouco tempo de descontos concedido só me permite lançar em jogo mais um exemplo, numa troca por troca com uma das unidades deste texto em claro sub-rendimento:

- Fiz a tropa em 1994-1995, ano em que Artur Jorge transformou a filosofia de jogo do Benfica, apostando nomeadamente em jogar sem bola — já que o esférico não estava entrosado com os jogadores que então despontavam no clube das águias.

Por coincidência, fui então expulso no decorrer da primeira parte do curso de fuzileiro: durante uma simulação de assalto urbano, sem intenção tropecei num paredão e disparei um tiro do meio da rua que rasgou pelo escudo defensivo do recruta mais próximo. O seu nome era Tavares, e revelou-se um perna de pau.

Embora o encontro não fosse nada amigável, não fiquei desiludido com o resultado: estava em inferioridade física e a necessitar de ser assistido fora de campo por Rennies e canja de galinha. A explicação para a falta de pontaria na hora de alvejar o adversário? Um alívio de ressaca mal curada, fruto de comportamentos menos correctos no final de um comício da secção de Marvila do Partido Comunista…

Benfica sempre!

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